sábado, janeiro 31

De verde a podre.

As pessoas são complexas. Pequenos ou grandes puzzles, com dificuldades mais ou menos agravadas. Por vezes, faltam-lhes peças, algumas partículas da constituição de um ser no seu todo. Ou será que nos faltam a nós e à nossa percepção? Limitados à nossa maneira, à nossa visão do exterior, interferindo no modo como compreendemos os outros, vimo-los como incompletos, incoerentes, indefinidos, através do filtro individual que cada um de nós possui.
A incompletude pode percepcionar-se como um sinónimo de imaturidade, de uma falta essencial ao sujeito no que respeita ao seu desenvolvimento. Tendo em conta as ideias evolucionistas do nosso tio Darwin, compreende-se a imaturidade como um caminho para atingir a maturidade, atingir a conclusão, completar o puzzle. Neste sentido, o processo de “obtenção” da maturidade parece tanger-se de progressividade, em que só se atinge o final com a chegada ao fim da linha. Assim, a maturidade seria uma meta, mas.. e depois? A maturidade, no meu entender, não é um processo deste tipo, é um processo de (des)avanços, como a regressão na adolescência de que Blos nos fala e defende como algo necessário. Andar para trás e para a frente, desviar-se para os lados, pular de vez em quando, faz-me lembrar aquele jogo do «peixinhos do mar, podemos passar?” em que andávamos o mais possível sem que alguém nos visse, mas se tal sucedesse, teríamos que reiniciar o percurso. O processo de maturação é assim. É um processo por etapas, ora se passa à primeira, ora à segunda, ora temos que ir a recurso ou começar de novo, voltando atrás, solidificar as bases necessárias para a etapa seguinte, e isto não deve ser visto como negativo. Cada etapa tem as suas características e objectivos, funcionais e adaptadas ao momento em que se desenrolam. Deste modo, a criança, comparativamente com um adulto, nunca podem ser vista como um ser imaturo, nem mesmo os adultos podem ser apreciados como processos de maturação acabados. Estamos sempre a aprender ao longo da vida, logo, pondero a maturidade como algo a ser percebido no contexto da realidade de cada sujeito, se as habilidades que possui preenchem os requisitos das tarefas que, a priori, deve concluir. Apressar o desenvolvimento dessas habilidades por se achar que se é imaturo, é tirar o sujeito da sua própria realidade, da sua confort zone, e isso poderá perturbar todo o restante processo de maturação no sujeito.
Por outro lado, a imaturidade implica uma certa dose de egocentrismo. Ao compreender que o processo de maturação se desencadeia com o aumento da idade, percebemos que a criança será menos madura que o adulto (ou, pelo menos, assim é suposto), como já dissemos anteriormente. A maturação ocorre em diversas áreas, nomeadamente ao nível cognitivo e emocional, dois campos importantes no desenvolvimento do sujeito, quer dum ponto de vista social, quer dum ponto de vista mais individual. Todavia, ambos roçam nos relacionamentos e o modo como os sujeitos actuam na vivência com os outros. Espera-se que com o crescimento (em aumento de anos), este de adapte à sociedade, adoptando e agindo de acordo com os padrões esperados nesta, tornando-se, de certa forma, um sujeito mais rígido e menos criativo. A imaturidade seria aqui algo benéfico para a vida do sujeito, no sentido que tornaria (ou deixaria) os sujeitos actuarem de modo mais espontâneo em vez de se tornarem cada vez mais conformados às regras da sociedade. Este aspecto deixa-me a pensar que a maturidade é, do ponto de vista social, um conceito que se traduz pelo crescente conformismo e repressão do interior, do Self, do sujeito, pois aqueles que se manifestam mais emotiva e espontaneamente são sempre vistos como sujeitos mais desadaptados e, lá está, imaturos. A maturidade seria o conformismo às normas sociais, mas gostaria que fosse compreendida como um “poder” do ser humano em superar essas normas e a pressão que os semelhantes fazem para que as adopte, isto é, através da adaptação à sociedade, o sujeito pensasse e actuasse sobre ela, enlevando-se a si próprio. Nem a maturidade nem a imaturidade seriam exclusiva e unicamente boas para o sujeito, pelo que entendo que um misto das duas seria o ideal. Um misto das duas não com o objectivo de tornar a inconstância constante, mas tingindo o percurso do sujeito com avanços e recuos saudáveis ao seu desenvolvimento. Diria que as pessoas que atingem esta fase no processo maturativo são capazes de afrontar a mentalidade dominante de uma forma sublime e de assumir o sofrimento de uma forma quase profética e solitária. Lembro-me de Martin Luther King Jr., esse eterno ser nascido a 15 de Janeiro no ano da Grande Depressão, e penso nele como um elemento inspirador, de tranquilidade. Respiro fundo. É que ouvir vozes de iluminados como este, é agora e sempre um privilégio, pois era (e será) uma voz autónoma e insubmissa relativamente aos acontecimentos do seu tempo; um ser independente da aprovação dos aplausos, mas potenciado por eles; um homem guiado pelos seus princípios pessoais, contudo universais e persistentes na duração.
Penso que o melhor que se pode ensinar a alguém é a ser como é, a conhecer-se; ajudá-lo a desenvolver um pensamento peculiar e autárquico e isto é, no meu entender, a maturidade na sua forma estável, consciente e positiva para o sujeito. Maturidade no sentido de equilíbrio resultante de constantes desequilíbrios, da constância entre etapas com toques do seu contrário; uma forma metódica de se fazer o que se tem a fazer; enquanto que a imaturidade resulta de esforços heróicos derivados de abordagens criadas mais ou menos da fervura da situação. A maturidade é como a inteligência, ao aceitar que há várias e diferentes etapas para a sua estruturação, compreendemos que não existe um único teste capaz de a avaliar na sua globalidade. Assim, o sujeito só será inteligente (e podemos alterar para maturo que o raciocínio é o mesmo), consoante a área, a situação, em que for testado. Continuo, porém, a defender a utilidade dos traços imaturos, aceites no seu contexto, perspectivando a positividade dos mesmos para a vida do sujeito e não pensar que são apenas ideias desadequadas (embora, por vezes, a roçar a genialidade) e que devem ser censuradas. Uma vez que a natureza humana busca o prazer (ou a promessa dele), o sujeito não está, de modo algum, a violentar essa mesma natureza ao adaptar o seu génio a um equilíbrio adequado. Todo o sujeito precisa de conhecimento de si próprio e do mundo para que nele se estabeleça conscientemente, para que a maturidade se perceba como um processo transcendente.
Penso que é essencial observar os outros, relacionarmo-nos com eles, consciencializarmo-nos das semelhanças e das diferenças que nos unem e nos separam dos outros. A pessoa imatura não é capaz de um pleno convívio com as outras pessoas, de se adaptar, de vestir a posição deles, de ter empatia. Deste modo, esta pessoa não só não conhece os outros, como não se conhece a si própria, não se esforça sequer por isso, não se empenha, não luta nem dá luta, não cresce e só se lamenta. Lamentar no sentido de que a sua visão é tão centrada que tudo, o que possa acontecer negativamente, está fora de si e é responsabilidade do outro, da vontade exterior. Se assim é, não precisa de fazer nada, torna-se passiva e espera que o outro, o exterior, se modifique, não havendo uma maturidade (emocional) que torne consciente a igualdade entre os seres e que permita a noção do outro como um ser semelhante dotado de desejos, de vontade e de razão. Dentro da sua imaturidade, são sujeitos tão “controladores” que temem perder o seu lugar, a sua posição relacional, que é sinal da sua identidade, pois, no fundo, nem a própria pessoa acredita em si, não tem definida a sua força e a sua importância no mundo relacional e precisa que alguém lhe mostre isso, frequentemente, pela submissão, pela cedência, ao seu ser.
No que respeita ao amor, posso afirmar, com certeza, que a imaturidade está mais do que presente, considero mesmo até residente permanente, numa casa que é a relação a dois. A adaptação à realidade que é o outro, a consciência desse ser, as suas virtudes e os seus limites, os defeitos que o tornam especial, mas também um ser diferente daquele que nós somos e ainda bem. O outro deve completar-nos e não ser um reflexo do que somos. Este pensamento lembra-me Montesquieu quando disse «é mais fácil conquistar do que manter a conquista». Porque dá trabalho. Dá trabalho essa ligação e fazê-la funcionar quando nem todo o cenário que a comporta é perfeito. O amor imaturo fica fixado na fase do deslumbramento, na chamada lua-de-mel, não avança ou deixa correr o sentimento com a convivência, fica alheado e numa posição narcísica. É uma relação de ego com o ego, em que um desconhece o outro, renuncia aos sentimentos, ignora que estes não sejam estáticos, mas sim dinâmicos e susceptíveis de crescer ou diminuir conforme a forma que são cultivados pelo relacionamento. Se o amor se torna divino, assente numa base de fantasia, e o deslumbramento permanente não é mais que uma ilusão que termina em nada. A pessoa consciente e numa fase de maturidade estável sabe que, como todos os processos de desenvolvimento (e o amor é um deles), a relação amorosa se constrói, pouco a pouco, dentro do possível a cada momento, contornando e resolvendo os obstáculos. Por outras palavras, existe uma estabilidade emocional e matura que se mexe entre progressos e resoluções, pequenas voltas e compreensão do outro, mas também de si próprio. A fase de ligação não é uma simples fase de desejo ou de romantismo, é uma fase de adaptação e partilha. As pessoas imaturas, contudo, querem apenas receber, sentir-se desejadas e relacionar-se unicamente numa forma de satisfação da necessidade afectiva, com a qual não conseguem lidar. O outro é visto como um suporte emocional, uma injecção de satisfação ao ego. O sujeito imaturo tende a introduzir no outro aquilo que ele próprio é, como se tivesse uma relação consigo, pelo espelho, uma adoração de si próprio e, por extensão, a quem lhe dá. Todavia, sabemos que os sentimentos que, no geral, caracterizam as relações (amorosas, sexuais, de amizade, etc.) actualmente, são sentimentos que não têm os dois v’s, como eu costumo dizer: o de vai e o de volta, ou seja, não são recíprocos.
Hoje em dia, os sujeitos esqueceram-se destas componentes relacionais, que são a partilha e a reciprocidade, e a falta que fazem traduz-se na observação das pessoas num simples passeio à rua. Fico inquieta ao pensar neste assunto, no crescente buraco entre a inocência em demasia e o demorado egocentrismo; um buraco vazio, embora centrado num equilíbrio, no qual ninguém lá faz vida. É que há pessoas que passam de verdes a podres, nunca chegam a ficar maduras.. e depois temos que as mandar para o lixo.