quinta-feira, dezembro 30

o meu, o teu e o nosso

Quer queiram, quer não, acaba por ser um contrato. E não estamos aqui a falar da teoria Do Contrato Social, não vá o Jean-Jacques dar umas voltinhas de agonia onde ele estiver; estamos a falar de contratos de promessa, entre duas pessoas, contratos relacionais. Seguindo o dito popular, falaremos de adultério. As suas alíneas diferem dos restantes, são relacionais e até pessoais; é mais que amor e/ou amizade, envolve uma questão de carácter (e os que dela carecem, bem podem ficar far far far away de mim).
Se assim o é, o rompimento de um contrato, baseado em sentimentos de confiança e na crença (assente nos sentimentos) do que se julga ser verdade, gera, evidentemente, conflitos morais e psicológicos. O descumprimento do presumido pode, com certeza, ser resultado de carências, busca do novo, de sensações de perigo ou de poder, de insatisfação ou até desejos de vingança; porém, se a parte gozasse de carácter, o golpe invisível, mas constante, áspero e inesperado, não se reflectiria no óbvio.
Nas suas raízes latinas, não só o enganar ou o não cumprir a promessa constam nos sinónimos. Também se pode compreender como a venda de alguém ao seu inimigo (e em alguns casos, é esse mesmo o significado que possui); contudo, nesta minha reflexão não se trata mais do que a venda, mas de si próprio, a um outro e ainda marcar aquele com quem tinha compromisso. Como que uma queimadura, a pele psíquica do traído torna-se mais frágil, tem menos camadas para se proteger, o que resulta na diminuição de confiança e num ambiente cujo ar se torna difícil de respirar.
Frequentemente, é o traído quem carrega sentimentos de culpa, não o incumpridor; como se este não tivesse tido outra qualquer solução que não trair, de romper o contrato de tal forma egoísta. Pode até mesmo pensar que para o traidor estar consigo é insustentável; a velha história de "tu és demasiado bom/boa para mim, eu não te mereço" é simplesmente ridículo. Ainda o velho truque, tão extremo que denota (ainda mais) o carácter ignóbil do traidor, mas tão actualmente usado (e até parece que resulta, que eu tenha conhecimento...), de se dizer "não merecias isto que te fiz, até já pensei em matar-me para não «despontar» mais na tua vida". Usei o despontar, porque de facto o que acontece é o mesmo que aquelas plantas parasitas: são pequenas e vamos deixando que cresçam até dar-mos conta que já envolveram toda a casa e que estamos presos nela. Mas afinal, quem é que deixou crescer a planta? Ou neste caso, quem é que rompeu o contrato?
Confesso que em tempos o pensamento acerca do assunto não era tão claro, a percepção das coisas talvez estivesse minado com aquilo que parecia ser, mas não o era. Vamos lá, para que fique então distinto: o meu último desejo para este 2010 é que tenham consciência de si próprios e dos vossos actos... e basta os efeitos secundários dos vossos, não têm que aguentar os dos outros.
Trair não tem nada a ver com a pessoa traída, mas com a falta de carácter de quem trai. E digo isto tendo em conta que podem sempre existir pormenores aqui e ali que despedaçam uma relação que se quer una; todavia, não é neles que vejo o fundamento de tal falha de um para com o outro. Quem trai não consegue assumir compromissos, não tem responsabilidade do que mantém com o outro, nem mesmo consigo próprio; sobressai essencialmente a inexistência de respeito por aquele com quem, a priori, supostamente, partilha. Aliás, diria que é ainda algo mais pérfido, pois obriga o outro a jogar os seus jogos, numa total ignorância, leva-o a participar em esquemas falsos, nas suas mentiras.
Não suporto mentiras, excepto aquelas que considero «boas», como quando dizem que não sabem do jantar surpresa que os restantes amigos estão a preparar para o meu aniversário. Não suporto mentiras pois são essas falsidades que se acumulam à falta de respeito pelo outro, que o ferem e, por vezes, acredito que quem trai nem sequer tem capacidade de entender o quanto faz e o quanto isso magoa. Só me deixa a pensar que quem trai deverá ser alguém über insatisfeito consigo mesmo. A busca de adrenalina, de querer sentir mais e/ou diferente, alimenta, de certa forma, o secretismo e aumenta a infidelidade.
Creio, de momento, que estas pessoas julgam ter tudo controlado, mas são elas próprias que vivem em maior descontrolo; a menos que cresçam, que amadureçam emocionalmente, o insatisfeito, e diria até o infeliz, continuará sempre a fazer o que faz, a trair o outro, pois irá sempre minar as relações que estabelece e se as velhas desculpas resultarem...
No entanto, para que isto aconteça, é necessário que o traído seja alguém especial, i.e., que aceite jogar o jogo proposto, não vá ele perder aquilo que afinal nunca teve. O sentimento de vazio que poderá surgir atormenta o traído; o abandono e a perda daquilo que é, também, ele próprio. Diria que o medo é o que se encontra na base desta «manutenção» da não-relação; aquilo que provoca reside naquilo que foi interpretado anteriormente e sem um novo olhar, nada será diferente.
Bom, eu diria que quem ama, respeita (e, portanto, não trai), mas as minhas premissas serão sempre subjectivas; pelo que deixo à vossa reflexão e interpretação.